Arrumar os meus livros na estante da sala tem tido um efeito curioso: o enredo do livro mistura-se com as minhas recordações de quando o li. Há livros que me transportam imediatamente para um sítio e uma época: a tetralogia da Luísa Beltrão (que pertence ao meu pai, por isso não está nesta estante) leva-me imediatamente para os tempos do liceu, quando vivíamos numa casa comprida e escura nas Avenidas Novas, e nas tardes de fim-de-semana eu ocupava o canto mais soalheiro da casa a ler. Essa salinha mais tarde foi transformada em sala de pequenos-almoços, mas no início tinha um cadeirão antigo forrado a chintz cor-de-vinho perfeito para ler e falar ao telefone. Devorei os quatro livros nesse cadeirão, ao som de um CD de músicas dos anos 60 (sempre em repeat).
Os livros da editora Persephone... comecei a lê-los em Lisboa, recém-casada, e mostravam-me uma Inglaterra provinciana onde mais tarde vim a morar. No The Diary of a Provincial Lady (tenho uma edição comemorativa da Virago) ouvi pela primeira vez falar em forçar bolbos (e uns anos mais tarde vim a fazê-lo). Outros livros lembram-me a casa da minha avó com a sua saleta forrada a livros de História, que me ajudaram a ganhar uma viagem de duas semanas ao Brasil quando tinha 18 anos. Ao mexer nos livros sobre História das Mulheres, penso no mestrado que ficou a meio e pergunto-me se algum dia lhes voltarei a pegar. Os livros do Jorge Amado ganharam cor quando visitei Ilhéus na tal viagem ao Brasil. Os clássicos portugueses lembram-me as minhas primeiras incursões nos livros de gente grande (Eça de Queiroz em casa dos meus pais, Júlio Dinis nas noites em que ficava a dormir em casa da minha avó) e quase gritam para que eu volte a pegar neles, numa urgência de combater este português duvidoso que estou a adquirir (ontem estava a falar com a minha mãe sobre a marmelada e disse vulcano em vez de vulcão... pânico!). E nem vou falar nos livros de infância, que esses ficaram todos em Portugal.
E a vocês, acontece-vos o mesmo? Também têm recordações difusas de histórias de livros misturadas com as vossas vidas?
Filling up my bookshelves has brought back so many memories. It's curious how the plot of a particular book becomes entwined with my own circumstances when I read it... some books take me right back to a specific time and place. Luísa Beltrão's tetralogy (a family saga set in Portugal in the 19th and 20th centuries) transports me to my mid-teens when we lived in a long, rather dark, ancient flat in Lisbon — on weekends my books and I would take possession of the sunniest corner of the sitting room. That tiny space was later turned into a breakfast room but during those early times it had an old armchair covered in burgundy chintz that was perfect for reading and chatting on the phone. I devoured those four books seating on that armchair and listening to a CD of 60s pop music.
Persephone books... I started reading them when I was just married and they showed me a provincial England where I went to live a couple of years later. In The Diary of a Provincial Lady (I own a very pretty Virago edition) I had my first encounter with bulb forcing (and some time later I tried doing it myself). Other books make me think about my granny's home, with its study filled with bookshelves from top to bottom — some of those books actually helped me win a two-week trip to Brazil when I was 18. When I pick up my books on Women's History I think about my master's essay that was left unfinished and wonder if I'll ever return to it. Jorge Amado's novels gained new colours when I visited Ilhéus on that same trip to Brazil. The Portuguese classics remind me of my first foray into proper, grown-up literature (Eça de Queiroz at my parents' home, Júlio Dinis at my granny's) and scream for me to read them again as my Portuguese is getting some horrible foreign traces... And I won't even mention childhood books — those were all left in Portugal.
What about you, do you also have blurry memories of books and life?
(photos: Tiago Cabral)
Filling up my bookshelves has brought back so many memories. It's curious how the plot of a particular book becomes entwined with my own circumstances when I read it... some books take me right back to a specific time and place. Luísa Beltrão's tetralogy (a family saga set in Portugal in the 19th and 20th centuries) transports me to my mid-teens when we lived in a long, rather dark, ancient flat in Lisbon — on weekends my books and I would take possession of the sunniest corner of the sitting room. That tiny space was later turned into a breakfast room but during those early times it had an old armchair covered in burgundy chintz that was perfect for reading and chatting on the phone. I devoured those four books seating on that armchair and listening to a CD of 60s pop music.
Persephone books... I started reading them when I was just married and they showed me a provincial England where I went to live a couple of years later. In The Diary of a Provincial Lady (I own a very pretty Virago edition) I had my first encounter with bulb forcing (and some time later I tried doing it myself). Other books make me think about my granny's home, with its study filled with bookshelves from top to bottom — some of those books actually helped me win a two-week trip to Brazil when I was 18. When I pick up my books on Women's History I think about my master's essay that was left unfinished and wonder if I'll ever return to it. Jorge Amado's novels gained new colours when I visited Ilhéus on that same trip to Brazil. The Portuguese classics remind me of my first foray into proper, grown-up literature (Eça de Queiroz at my parents' home, Júlio Dinis at my granny's) and scream for me to read them again as my Portuguese is getting some horrible foreign traces... And I won't even mention childhood books — those were all left in Portugal.
What about you, do you also have blurry memories of books and life?
(photos: Tiago Cabral)
Adorei as suas histórias e tb a sua estante de livros, kiss
ReplyDeleteSusana
Curiosamente sim! Parece-me sempre que escolho um livro na altura certa em que precisava de os ler ou para esclarecer alguma dúvida que vinha pairando!
ReplyDeleteNo Verão gostava de ler na praia, mas sempre tive um fascínio por ler antes de adormecer (tenho sempre um livro na mesa de cabeceira).
Ter uma casa cheia de livros também ajudou a tomar o gosto, gostava muito (e ainda gosto) de me pôr à frente da estante e a tirar um ou outro para folhear e escolhê-lo (tenho um fascínio por enciclopédias e como professora dou por mim a passar o gosto pela pesquisa aos miúdos). Na adolescência cumpria à risca o que a professora de Português pedia que lêssemos nas férias do Verão (os clássicos) que adorei (Eça de Queiroz, Camilo Castelo Branco...) e ao dizer que não gostava de História, hoje tornei-me numa grande fã e adoro ler sobre História!
Comigo parece ter sido ao contrário: o que dizia que não gostava, passou a ser o que tenho e gosto hoje!
Sim, tantas!!!
ReplyDeleteE também por isso não consigo gostar dos e-books. Para além de ecologicamente nao serem muito amigos (pode nao parecer mas ao contrario do papel 100% recicláveis, nada daquilo passa de lixo electrónico um dia e a energia q consome n é limpa infelizmente), nao conseguem despertar estas memórias. O cheiro, as folhas amarelecidas, as dobras, etc, isso sim desperta o melhor de nos
Tal e qual... Pego neles e quase sempre me lembro de quando o li pela última vez, onde estava, porque não gostei ou porque gostei muito!
ReplyDeleteos livros sao tao bons...e todos os dias tambem noto que o meu portugues se esta a tornar duvidoso, tenho duvidas, vem me a cabeca primeiro as palavras em ingles (e ate em holandes)numa conversa em portugues, nem sempre me lembro do termo...tem-se tornado quase impossivel falar sobre o meu trabalho em portugues, quando o tento fazer pareco uma arara e tonta...horrivel! Pergunto-me como e que a Clara, a minha filha, vai aprender a falar e escrever correctamente em portugues, mesmo so falando portugues em casa!
ReplyDeleteE claro,estou sem acentos...nao sao erros de portugues duvidoso ;)
bj mariana
No meu caso, é na salinha onde tenho os livros onde passo mais tempo, podia-lhe chamar escritório, mas acho uma palavra demasiadamente diplomática e rude para o conforto que me dá ler e passar a maior parte de tempo de lazer aqui enfiada. Nas nossas estantes temos de tudo, desde os místicos, passando por Luís de Camões e restantes poetas e literatura portuguesa, depois poetas ingleses, franceses e restantes bandeiras, até à filosofia e mesmo literatura em grego clássico e latim (bem, esta parte eu não mexo, é parte de estudo do meu namorado). No meu caso, adoro o imaginário dos campos ingleses e franceses, tudo o que leio, não sei porquê, são leitores que já morreram há muito e deixaram o seu cunho imprescindível na descrição bucólica desses tempos. Neste momento estou a ler, pela segunda vez, "Madame Bovary", a primeira vez que o li tinha aí uns 20 anos, sinceramente escapou-me tanto pormenor nessa altura, que é como se fosse a primeira vez... As minhas memórias não são muito gratificantes no que diz respeito aos livros, sinceramente e infelizmente, para além da "Enid Blyton", dos irmãos "Grimm", dos clássicos na escola, que na altura não gostava muito porque era obrigada a lê-los e outros que nem falo por vergonha :P, comecei a ler e a fazer boas selecções de leitura muito tarde. Sandra Quitério
ReplyDeleteOs meus livros são os meus bens mais importantes, e quando decidi mudar para a Irlanda, tive de arranjar forma de os trazer todos (34 caixotes de livros!). Desde então, a colecção não tem parado de crescer, graças às lojas de caridade e aos presentes de amigos!
ReplyDeleteAdoro arrumar os meus livros, adoro sentar-me à frente de uma das estantes e escolher um e adoro abrir um livro ao calhas e ver sair de dentro um recibo, um bilhete de comboio, um cartão de um restaurante.
Os meus livros evocam-me sempre memórias da época em que os li, ou de quando os comprei ou recebi. Gosto de os reler e redescobrir os enredos, gosto ainda mais de sentir que sou uma pessoa diferente da que era quando os li pela primeira vez.
Sei, em relação a cada um deles, quem mo ofereceu, ou onde o comprei. E hoje em dia tenho o privilégio de poder passar alguns deles, em português, ao meu enteado, para que ele nunca perca o contacto com a sua língua materna.
Livros. Vão se entranhando em nossas vidas, como poeira em madeira entalhada, mas para o bem. Impossível desfazer-se deles e impossível, também, não voltar na memória as lembranças da época em que foram lidos, lugares, e sensações que nos causaram.
ReplyDeleteDepois de uns 37 anos voltei a ler um livro que havia lido na adolescência: "Justino,o retirante" de Odete de Barros Mott. Fiquei esperando que me transportasse a lugares que ficaram marcados em minha mente, quando da primeira leitura. Curioso, pareceu-se outra história.
Quando crescemos e adquirimos mais informações/conhecimento ao longo da vida, acontece das impressões se nos apresentarem distintas daquelas primeiras que tivemos ao ler um livro, por exemplo.
Eu amo ler. Legado de meus pais.
Lindo post.
Bjinho Concha.
Adoro livros!Com duas crianças pequenas o tempo para ler é pouco, por isso há uns tempos atrás obriguei-me a fazer esse execício de memória de folhear alguns dos livros que mais gostei de ler... quando encontramos pequenos apontamentos e até uma mensagem ou outra guardada, não é uma delícia?
ReplyDeleteBooks are a large part of my life. I especially remember a vacation in Italy with my parents. I wasn't allowed to bring to much books, because we had to drive with one family of 6 persons in just one car. Halfway through the vacation I read all the books I brought. Then I borrowed a book from the woman in the tent next to us, but she mentioned she was going home in just three days. So I only had those three days to finish. This, and the intruiging story itself, kept me reading all these three days, every single moment I was able to. It was 'Memoirs of a Geisha' and it still is the one thing I remember about this vacation most.
ReplyDeleteThanks for sharing your memories!
Olá, Constança! Eu lembro-me sempre de quem me deu o livro ou quando e onde o comprei. Também tenho essa tetralogia da Luísa Beltrão e qualquer dia agarro nela outra vez. As estantes cheias, como a tua e a minha, acabam por contar uma história de vida. Um abraço desde Cascais!
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ReplyDeleteOlá Concha :)
ReplyDeleteAmei os seus livros e as memorias, e de facto, é isso mesmo: a capacidade de nos transportar no tempo e no espaço, de viajarmos no mesmo sitio, nem que seja viajar na memoria de viagens anteriores :)
Adorei a sua estante também!! era exactamente o que procurava para a minha sala!! é IKEA?
Obgda!!
Bjs
Sim fui uma leitora ávida quando em idade menor, amo até hoje ler, e os clássicos me fizeram sonhar muito, como por exemplo Graciliano Ramos, Monteiro Lobato. Hoje, leio, e já prefiro mais os livros tecnicos dos q os romances,mas sinto que não com a intensidade de antes.
ReplyDeleteComo sempre é gosto passar por aqui e saber como passas os dias :)
ReplyDeleteComo sou uma apaixonada por estantes, livros, livrarias e afins adorei ler o post, principalmente quando referes uma das minhas tetralogias favoritas escrita pela Luísa Beltrão. Curiosamente, tenho uma edição, relativamente recente (atualmente está esgotada) que emprestei à minha vizinha para ler!!! Adorei as vossas estantes e já agora acho que ias gostar muito e António Alçada Baptista, se ainda não leste. Recomendo, por ser o meu favorito, O riso de Deus.
Um beijo grande para a NZ daqui do norte de Portugal :)
Não te vinha visitar há uns bons tempos e quando aqui entro dou logo com um post sobre livros, os meus objectos de culto...
ReplyDeleteComigo acontece-me o mesmo, os livros que tenho na estante transportam-me para o tempo em que os li, para o dia em que os encontrei na livraria ou no alfarrabista, ou pra quem mos ofereceu. Adoro-os e, actualmente lendo muito menos, continua-me a custar não poder comprar todos os que desejo, mas os tempos de contenção económica e de espaço não ajudam.
Voltarei em breve a visitar-te, e se quiseres visita também o blog que eu e a minha irmã partilhamos, o "arRanha no Trapo". Se calhar vais de gostar de ler o post que eu hoje fiz, sobre um livro: "A Rapariga que Roubava Livros"
Beijinhos da Ana Cristina
Assim de repente, sem vasculhar muito no baú das memórias, vieram-me à cabeça os meus doze, treze anos, em que devorava a coleção da "Patrícia" sentada num dos sofás da sala, de tal modo absorvida pelas aventuras que nem ouvia a campainha da porta ou o que quer que fosse!
ReplyDeleteSim, acontece-me imenso, inclusive lembrar-me também dos cheiros do livro, dos sítios onde os li.
ReplyDeleteAdorei ler este post, fez-me imediatamente relembrar uma série de coisas e como desde pequena também sempre adorei ler, as recordações são mais que muitas ;)